<

Poesia e morte
Fernando Guimarães

 
 

POESIA E MORTE

 

1. Na sua perspectiva,
que relações podem
estabelecer-se entre
a poesia e a morte?

 

Talvez se possa dizer que na poesia procura-se alcançar, mesmo nela havendo uma acentuação pessimista, o que seria sob o ponto de vista expressivo uma plenitude; pelo contrário, a consciência que temos da morte aponta necessariamente para a nossa finitude. Levanta-se, deste modo, um problema que tem a ver com o tempo e a existência humana. Sendo assim, a questão que aqui é posta tem necessariamente implicações filosóficas. Mas, curiosamente, apresenta também implicações de natureza retórica, pois fala-se de um género consolatório o qual surge já na sofística grega relacionado com a argumentação para mitigar o luto. É o caso, por exemplo, de se referir que “todos havemos de morrer” ou “a morte é igual para todos”…

É bem sabido que expressões como estas vão ser retomadas ao longo do tempo. Poetas como Virgílio, Horácio ou Ovídio escreveram poesias que se apresentam como uma consolação em face da morte ou têm uma significativa referência sepulcral. Com o Renascimento, e no contexto de um classicismo reencontrado, eles serviram não raro de modelo. Ora as referências à morte continuaram a estar presentes na literatura, desde os epicédios e elegias do poeta seiscentista inglês John Donne ao “conqueror worm” de Edgar Poe, desde um requiem de Rilke ao “No túmulo de Chistian Rosencreutz” de Fernando Pessoa.

Conforme avançamos para a modernidade e nos afastamos da retórica consolatória aproximamo-nos mais de uma reflexão filosófica da morte. Não é por acaso que um poeta como Donne se encontra entre aquele escritores ingleses do século XVII que pertencem ao grupo dos chamados “poetas metafísicos”. E ao chegarmos finalmente à modernidade a consolatio ou a comploratio já não têm qualquer sentido, pelo menos aquele sentido que assumiam retoricamente. Elas representam uma relação que se estabelece com os outros: consolamos os outros, choramos ou carpimos junto dos outros. Todavia um poeta como Rilke, no Livro da Pobreza e da Morte que publica em 1903, refere-se à “grande morte que cada um traz em si”. Encontramos assim aquela finitude que não é a morte com os outros mas a morte em nós mesmos.

Deste modo aproximamo-nos do que seria uma questão ou, melhor, uma reflexão de natureza filosófica que tem a ver com a finitude do ser humano. Heidegger – na sua fundamental obra Ser e Tempo publicada em 1927, isto é, 24 anos após o livro de Rilke – relacionou essa finitude com a nossa própria vida ao considerar a sua temporalidade.

Ao reportar-se a ambas, o filósofo de Ser e Tempo fala da morte que “trazemos em nós”. Considera que há nela uma dimensão existencial e, ao mesmo tempo, ontológica. Quando dizemos “morre-se”, este “se” reporta-se aos outros e a morte então é neles que se dilui. É uma outra morte, não é a minha. Só esta é que representa a última de todas as possibilidades que me leva a procurar para a minha existência um sentido. É por isso que faz parte do meu ser (dimensão ontológica) e contribui para que a realização da minha vida tenha esse sentido (dimensão existencial).

Curiosamente, o autor de Ser e Tempo escreveu o seguinte: “assim que um homem ganha vida, diz o poeta, é logo suficientemente velho para morrer”. De uma forma bem explícita ele faz aqui esta afirmação: “diz o poeta”. É, afinal, o dizer do poeta que pronuncia o mistério ou o segredo da morte que corresponde também ao sentido da vida ou da nossa finitude.

 

2. Considera que o tema
da morte tem desempenhado
um papel relevante na sua poesia?


A palavra morte, em poesia, está em muitas outras. Como se poderia, então, deixar de a escrever?

topo
<