O gato que habita a
linguagem.
O gato líquido do poeta
que destrói a denotativa modernidade
dos seus versos por
dentro,
e faz repor, no epicentro da palavra,
a fuga romântica, a enumeração,
a ilegível onomatopeia,
eia, ooooah!
O gato que habita o senso comum
da linguagem. O gato que se soltou
de palavras anónimas,
e eu com as janelas abertas a escutar,
sem cuidar ter escutado,
o bruaaaaaa das ruas.
O gato-arquétipo,
ilusão lentíssima, que faz desfilar
há séculos o longo nome da literatura.
O gato do sem regresso.
Assim, alguém o tenha descrito,
a esse gato que vem da origem
plangente da palavra,
e depois por Hermes
metamorfoseado noutro gato,
e depois entregue, e sempre
assim até ao
fim – haverá um fim para o fim
do gato? –, aí onde alguém perguntará
como se descreve o gato, e sob o arbítrio
de uma assembleia de
mulheres, crianças,
velhos (preparados para o naufrágio),
cada um com o seu gato de estimação
na cabeça, se
desenhará o retrato do gato
entretanto morto, ou, o mesmo é dizer,
caminhando ao lado de um deus que passa,
hoje, anónimo,
sem peso, sem aura felina
que lhe dê terra e lhe dê tempo.
Quem merece o gato, ainda?