que da janela
para a sala
ao fim da tarde em porcelana
se adensa e alastra até que fana
a cor da fruta em que resvala,
até
que fica cor de gesso
como este fosco entardecer
quando de todo esmorecer
a própria luz em que me esqueço
e então
me oculta a tua face
pela janela, a diluí-la,
e veio a noite e de intranquila
esta canção fez que cessasse
de te espelhar,
como um buraco
de espaço e tempo já sem nexo,
sem um fulgor, sem um reflexo,
sem um ruído: inerte, opaco,
feito de tralhas
e de escórias,
mas contra ele a alma entende
recuperar-te e reacende
então a luz só por memórias
de ti, sentada
ao pé da taça
junto do vão de uma janela,
sôfrego impulso sem cautela
enquanto a tarde outra vez passa
e um deus ao
ver-nos no parnaso
em seu ciúme de soslaio
talvez prepare o fatal raio
para apontar ao nosso caso
e nesse lance
nos destrua
o olhar, a voz, o gesto, a minha,
a tua sombra, e tu sòzinha
desapareças contra a lua
quando o seu
halo transfigura
pêssegos, peros, tangerinas,
formas intensas e citrinas
da tua ausência que perdura
entre o sabor
recuperado
e uma visão hiper-real
a organizar-se em espiral
já sem sentido recordado
dos tempos
todos que incorpora
à densidade sumarenta
de cada fruto e se sustenta
de poucos sons e treva agora.