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ELEGIA QUÂNTICA
PARA MANUEL ANTÓNIO PINA
RUI LAGE
POESIA
NO Nº31/32
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Um dia seremos todos pura vibração,
corda uníssona a estremecer o nada,
onda rara, fotão,
matéria sem olhos e sem escuridão.

Estaremos enfim vazios
ou na cabeça tudo estará tão longe de tudo
que nada se encontrará
e tudo ficará pelo caminho
(mas nem este será possível)
e tudo estará terminado sem nunca ter começado.

Enquanto te podíamos ver
sob o halo amarelo do snooker
ou com aquela só por ti sabida e partilhada ternura
a encomendar o almoço no domingo da vida,
colapsada a tua composição atómica
num ponto do tempo e do espaço,
eras um estado definido.
Agora que deixaste de ser mensurável, agora
que deixaste de ser visível,
és todos os sítios e estados possíveis
entre este mundo e os outros.

Ainda o soubeste: que para além do fundo
de radiação cósmica, da luz fóssil do verbo,
que para além da barreira de Planck,
há janelas que abrem para fora do espaço-tempo
e dão acesso ao exterior do cone inflativo
que a nós e às galáxias contém
(visível somente a porção menor da matéria
com que amamos e defecamos).
Então talvez a morte seja essa mudança
para o que não se vê
e sejamos nós os invisíveis.

Diz-nos: saberemos do nosso corpo?
Tudo será destituído de massa?
Alguma estígia desarmonia?
Alguma precária alegria?
Um supercondutor? Uma supersimetria?
A sombra da energia?

Continuaremos a errar o caminho de casa?

Até que os homens destapem a linha
para além da qual nada é pensável,
estás vivo e morto na caixa de Schrödinger
a um tempo inteiro e desintegrado
a cabeça deitada em pura
superposição quântica.

Desces a escada,
bates à porta da mãe morta.

Estás agora para sempre
do teu lado de fora o nosso lado

de dentro.

 
Relâmpago nº31/32
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