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RUI CÓIAS
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Andaste de um ao outro lado da terra na vida interminável.
Fizeste o lado alongado do meridiano descontínuo
e decifraste o que encima as falésias de uma costa à outra.
Foste embarcado num porto de transição para o levante
e no primeiro inverno, com a precisão do guiador de afluentes,
cometeste a travessia que te havia de levar a cravar os olhos com um ferro.
Viste a linha rarefeita refazendo-se de um reino ao outro,
a silhueta dos seus oratórios descendentes, e os batistérios,
e cada território adensando o ar até ao limite do mais próximo.
Recebeste um por um na ponta dos dedos os barcos à entrada do pontão
e em troca as gaivotas alinhavaram as redes em forma de mapa,
indicaram-te o gume fechado das marés nas primeiras margens
e o cheiro que teria o vento de feição quando viesse o segundo inverno.
Nomearam-te o filho de deus, como a alexandre, chegado a siwa,
e aos vinte e cinco anos, sem mais conter a busca e prezar um tecto,
outorgaste a orientação do corpo para todos os lugares.
Flanqueaste o hemisfério à beira do terceiro inverno, e ao quarto,
induzido às vozes estimadas do passado, mas não ao seu retorno ou contrição,
foste visto no rastro da que fora a última caravana noticiada meses antes.
De quem te aproximaste, no seu trajecto interminado,
continuamente mantido no pontilhado das dunas e colinas
que laminam a pele como as agulhas dos pinheiros,
contigo propagou o dever de passagem em toda a parte.
E quando procedeu o quinto inverno, e o sexto, suturaste o sangue,
trouxeste as mãos para a curva dos rios, recolheste a terra deserta
e pudeste enfim, com a crença dos migradores furtivos,
perceber que tudo se perde noutro lugar ainda, e depois desse ainda noutro,
e que ao fim de cada um tudo é mais incerto e emudecido,
tão breve como o dente de leão no meio de searas, tão
estreito e exausto como a luz da veia dos não sepultados.
Vai pois no encalço das mulheres que te irão banhar em varanasi.
Já os recém chegados jazem ao fundo das estalagens, como chapas,
e pela vez sétima se abateram no equador os estames do inverno.
Fala-lhes assim do que viste e quantas fronteiras atravessaste.
Conta-lhes das penínsulas e dessa amarra apoiada nas têmporas,
dos venerados sumidos na montanha durante setenta invernos
e de como as amantes, sitiadas nos pilares dos mausoléus,
choram os que convocados foram e assim partem e sem engano
porque se lhes fixou o aloirado vítreo dos olhos sobrepostos.
Agora todos os teus passos serão dizimados
– e o sacro canto arpoará a escadaria num som de areia.
Então, na torrente aspergida, da mistura do semeio com o calcário,
saberás o quanto vale e dura o teu poder sobre a terra.

 
 
Relâmpago n.º 12
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