<
AMARELO
ROSA MARIA MARTELO
POESIA
NO Nº31/32
<

Em Silves dessa vez, o amarelo não seria bem uma cor, era o perfume de um laranjal em flor, tão envolvente que parecia coisa mais de cor, e intensíssima: o amarelo reverberava nos olhos, no nariz, no zumbido dos insectos. Tínhamos entrado nesse laranjal para o atravessar, mas foi ele afinal que nos trespassou de ponta a ponta.

Mais tarde, um escultor criou no centro de uma grande parede (6mx6m) um fundo que não se via (x3m) e cobriu-o por inteiro de pigmento amarelo. O efeito óptico era tal que o amarelo se soltava e reverberava no ar, como uma exalação: o laranjal de Silves outra vez, o mesmo aroma em flor, a mesma cor, embora na relação inversa.

Mais tarde ainda, um poeta escreveu isto de outra maneira. Disse ele que «defronte dos limoeiros crescia o ar amarelo / dedicado / a quem por lá se luzia». Como se humanamente falasse pelos olhos dos insectos atordoados no calor. Foi quando eu soube que a sinestesia é o mais humano dos pontos de vista não humanos: ver com os sentidos todos juntos, como se ver não exigisse crença nenhuma. Como a música.

 
De: "A ponte afunda-se no rio"
Relâmpago nº31/32
<