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RICARDO MARQUES
POESIA
N.º 36/37
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ARTEMIDORO,

é agora outro poeta que te fala, neste
desgraçado ano da graça de dois mil e
doze. Não te acostumes a isso porém,
nem sempre em todos os séculos os
poetas te irão descobrir como os
portugueses, tu que estiveste tão
encoberto, como o outro, por tantas
areias, e tantas ampulhetas passadas.

Podia falar-lhes de ti ao telemóvel, podia
restruturar a nossa conversa numa folha
de cálculo que depois imprimisse, e se
bem que o outro poeta já te tivesse
assentado as características físicas –
jovial, sério e arguto – hoje teria outros
meios e algoritmos para saber que a tua
imagem nem estava assim tão distante
da real, apenas mais escanzelada (leio
isso nas informações, vejo a simulada
imagem do computador):
Porque te teriam emagrecido?

Depois, ou infinitamente, há os teus
olhos e nisso, Artemidoro, só posso
confirmar o que outro disse: nunca há-de
passar um dia, alegre ou triste, cá desta
babilónia, em que não os recorde.
Eles que já estavam há muito mortos para
os impérios que viram perder,
mas tão vivos também, livres do
pó em que eu próprio me acharei a vinte
séculos daqui, tal como o Sena agora
tal como Londres um dia.

Artemidoro, são estas as metamorfoses
de um fim de século electrónico,
esquisito, virtual: tu para aí esparramado,
eternamente violentado pelos flashes dos japoneses,
e nós, os portugueses, que também fomos
os primeiros a achá-los, a escrever
amorosamente sobre os teus olhos.

 

Museu Britânico, 17-12-2012

 
 
de Metamorfoses
Relâmpago n.º 36/37
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