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Em torno da fogueira, os homens
afogam em café os problemas,
deixando as imagens soltar-se
de amarras que as impedem
de atingir alturas cujos cimos
já tinham sido entrevistos
ou dados como datados
pelos compêndios então
em voga na superfície.
Para trás, ficaram os poemas –
latas de palavras que o vento
arrasta pelo acampamento
mas em que alguns homens
ainda procuram os motivos
que os levaram a partir
sem atender aos avisos
que lhes vinham da planície.
Servindo-se da linguagem
criaram mundos em que
apenas paravam para construir
abrigos capazes de os defender
do fulgor da aventura.
Ao certo, não sabiam
o ponto da linguagem
em que tinham caído
mas uma parte de si,
suspensa das palavras,
continuava a pulso
a ilusão da subida.
Na queda, a paisagem
fora triturada pela palavra
e em tudo o que escreviam
o sabor das estevas
lembra o horror de perceber
que só o riso do mundo
dá coesão a um real
de que já foram extintos os sentidos.

Fernando Guerreiro
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Relâmpago nº9
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