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A verdade, porém, é que os animais sagrados afastaram-se depois da comunidade laica e multiracial da capoeira, e passaram a usufruir duma altaneira existência, voando como vagabundos pela aldeia e campos vizinhos. Todavia, dormiam sempre no ponto mais elevado do meu telhado. O pavão covarde ficava desterrado a uma ponta; o chefe, empoleirado, no meio das duas insignificantes damas. Eu detestava-o. Nessa altura, ele abriu pela primeira vez o leque (transijo, espantoso) da cauda, e entrou a cortejar em simultâneo as escravas.

Eu procurava captar-lhes a confiança. Chamava-os para perto de casa, comecei com punhados de milho, que os deixavam tão indiferentes que nem me olhavam. Quebranto daquele tratante. Mudei de estratégia: miolo de pão, fresco, lêvedo, cozido em forno de lenha, puro, pão caseiro. Desprezado de início, tornaram-se uns gulosos. E estabeleceram este pacto comigo (melhor, aquela peste): antes de se deitarem, de voarem para o cimo do telhado e de me bombardearem com o “cupo grido”, vinham à porta da cozinha para o repasto.

Mas o sujeito queria todo o pão, bicava as fêmeas (o irmão, o banido, não se atrevia sequer a aparecer). Eu fazia assim: o bocado maior para ele, lançado para longe, e cibinhos macios, afagados, para elas, próximas, a fim de que os engolissem logo. Era pérfido – porém estava sempre mais esbelto, as duas amantes seguiam levemente o príncipe, cujos olhos me fulminavam (pensava) de desdém.

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António Osório
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Relâmpago nº8
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