era a hora morta
a cidade respirava devagar
na sonolência da praia fria.
após o milagre do zénite
sobrevinha o descanso dos banhistas
era a hora silenciosa
inexistente
eu seguia esse caminho acima da cabeça
escolhia filmes pela minúcia dos cartazes
o cinema s. pedro clássico e altivo
na montra exígua da casa souzé
entre lingerie belle de jour
e pullovers contra a nortada
o cartaz do filme da tarde
eu passava e repassava
como um rinoceronte
agosto é o único mês
o s. pedro garça de pescoço erguido
nas escadarias amplas
as esculturas faraónicas na fachada
de olhar gravemente ausente
as varandas de onde se via o brilho do mar
irritado
à espera do fim da sessão
o écran technicolor
distante imperial
onde vi patton com o meu pai
numa longa noite excepcional
ao sairmos o ar morno trouxe
a certeza muda
tinha havido uma segunda guerra mundial
acabáramos de o confirmar
na tela de cinema:
I want you to remember that
no bastard ever won a war
by dying for his country
dizia o general bordado
sobre a bandeira gigante
falando para a câmara
agora ia de tarde sozinha
adolescente e pensativa
submissa àquela possibilidade estranha
e no entanto tão à mão de contar histórias
o inesperado na tela que fala
a sala térrea do casino
mais nova vinte anos
cinema de estúdio sem saber
entalada entre o mar bravo
e o atroar celerado dos comboios
por cima roletas, slot machines
ali vi clowns, ludwig
muitos outros que se misturam
de forma imprópria
rien ne va plus
a última sessão à espera
dos vinte anos por vir