__________________________________________O que tenho é fé de que a poesia será
__________________________________________A.M. Pires Cabral
Talvez uma das mais instigantes formas de nos aproximarmos deste n.º 33 da Relâmpago seja pela leitura sequencial dos próprios títulos no sumário, que, por si só, nos oferecem uma entrada, sem guia e sem mapa. Apontamentos, notas, hipóteses, dúvidas anunciam os mais afirmativos manifestos da desolação ou a pequena e instável luz.
O tema do presente número enquadra-se no âmbito da regular programação editorial da revista. Desde o início que, na Relâmpago, os dossiers monográficos sobre poetas têm alternado com os cadernos temáticos sobre questões que colocam a poesia em diálogo com outros domínios – estéticos, sociais, políticos, etc. –, ou a colocam no próprio centro das indagações e reflexões. Refira-se ainda a dominante atenção a quadros da contemporaneidade. Neste sentido, pode dizer-se que, de certa forma, o presente número dá continuidade ao n.º 2, publicado em Abril de 1998, sobre “o lugar da poesia”, e ao n.º 12 sobre “a nova poesia portuguesa” (Abril de 2003).
Pedi a todos os membros do Conselho Editorial que contribuíssem com perguntas para um inquérito, que seria a base exclusiva do dossier temático “o estado da poesia”. Optou-se, por conseguinte, por um número sem ensaios, ao invés do que tem ocorrido com o modelo prevalecente (ensaios / depoimentos). Recebidas as perguntas, encaminhei-as para poetas e críticos. Houve prontas adesões e diversas resistências ao modelo do inquérito. Junto de todos aqueles que decidiram colaborar, insisti no facto de as respostas não terem que ficar presas ao esquematismo inquiridor; o modelo alternativo seria o do depoimento que simplesmente falaria do que quer que se entendesse por “estado da poesia”.
Num tempo em que à nossa roda é a crise a palavra mais repetida, e de grande repercussão nas nossas vidas, surgem-nos de todos os lados os balanços sobre o estado geral das coisas. Ainda que não se tenha pretendido com este número algo semelhante, ecoa necessariamente no título o propósito indagador que dá conta do momento. Nas “achegas para a compreensão de alguma poesia portuguesa mais recente”, Fernando J.B. Martinho afirma que “o tempo destes poetas é um tempo de ressaca ou de ressacas”. A um horizonte marcado pelo pluralismo e pela dispersão estilística, o crítico acrescenta outros traços: mal-estar, desencanto, desconfiança, cepticismo.
A poesia é neste número posta em perspectiva: das ressonâncias modernistas e vanguardistas de um passado não muito distante aos modos de recepção no presente (a crítica, os leitores, a internet, …). Pediu-se ainda aos poetas que tentassem adivinhar a face do futuro. Não vou resumir direcções, recorrências ou ausências. Ficam as perguntas, ficam as respostas ao inquérito, ficam os depoimentos.
Devolveram-se interrogações à interrogação. É o que melhor se pode ver. Provavelmente não haverá outra maneira.
E no fim de tudo, ainda assim, talvez possamos entrever aqui as linhas isóbaras de um incerto estado da poesia hoje.
CARLOS MENDES DE SOUSA
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