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A morte de Herberto Helder, em 23 de Março de 2015, assume, de alguma forma, um significado simbólico, na medida em que, embora não existam cortes ou rupturas no tecido contínuo da produção artística, há talvez ciclos que se fecham, ou vão fechando, o que notamos melhor quando, por força de algum acontecimento especialmente representativo, se nos torna evidente que estivemos assistindo a um tempo excepcional e não sabemos ainda com clareza que novo ciclo irá surgir.

Herberto foi um dos autores que mais fortemente contribuíram para a definição de uma nova linguagem poética portuguesa na segunda metade do século XX.

Esse impulso inovador não teve origem apenas no trabalho dos poetas mais jovens: ao lado do seu nome, dos de Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Ruy Belo, não poderemos deixar de alinhar, pelo menos, os de Carlos de Oliveira, Mário Cesariny e António Ramos Rosa, com pontos de partida e modos tão distintos de prosseguir na via de uma modernidade de que este último foi o grande teorizador.

O aparecimento de Herberto Helder, em 1958, com O Amor em Visita, e em 1961, mais extensamente, com A Colher na Boca, livro onde aquele está incluído, alterou significativamente o panorama da poesia portuguesa: porque se trata de inaugurar um canto todo alicerçado e construído a partir de uma noção de intensidade do discurso, o que se torna evidente, quer pelo uso de adjectivos com grande carga dramática e em si mesmos superlativos, independentemente de serem ou não apresentados nesse grau (“a cabeça gelada sobre a corrente pura do terror”; “para passar num tremendo silêncio”; “Ressuscitar uma vez com a cara extrema / junto a líquenes inocentes” – exemplos colhidos em “As musas cegas – VI”), quer pelo recurso a repetições ou refrãos, com alguma coisa de ritual ou de exercício mágico (“em cada espasmo eu morrerei contigo”, “O amor em visita”; “Amanhã morrerei”, “Elegia múltipla – VII”), quer pela criação de imagens e metáforas com uma total capacidade de surpresa (“E os filhos mergulham em escafandros no interior / de muitas águas, e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos / e na agudeza de toda a sua vida.”, “Fonte – II”).

Herberto colaborou nos números 3 e 9 de Relâmpago, com “Cinemas” e “Paradiso, um pouco”, respectivamente.

Chegou o momento de homenageá-lo, o que poderia, obviamente, ter acontecido muito mais cedo. Nesse sentido o sondámos, logo nos primeiros tempos da revista. Porém, como é sabido, o poeta sentia-se desconfortável com tudo o que o pusesse em evidência ou pudesse, de alguma forma, assemelhar-se a uma homenagem, pelo que amigavelmente nos dissuadiu, preferindo remeter-se ao lugar de colaborador, posição que, nesta edição de Relâmpago, volta a ocupar, com três belíssimos poemas inéditos, cedidos pela sua companheira, Olga Ferreira Lima, a quem muito agradecemos.


GASTÃO CRUZ

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