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Após o número duplo dedicado ao tema “O Poeta na Cidade”, publicado em 2017, um longo período de pousio foi necessário para que a Relâmpago pudesse, com os seus colaboradores mais próximos e os seus directores, repensar que caminhos futuros podiam (e podem) vir a ser percorridos. 

Gastão Cruz, que nos deixou em 20 de Março de 2022, há muito se questionava (nos questionava) sobre que papel poderia a Relâmpago ter num momento em que, se por um lado a poesia de novas gerações continua a publicar-se, renovando o discurso poético actual, por outro lado, com o desaparecimento, nos últimos anos, de figuras centrais da nossa poesia – Manuel António Pina (2012), António Ramos Rosa (2013), Vasco Graça Moura (2014), Herberto Helder (2015), Fernando Echevarría (2021) –, como que se fechava um tempo literário de que a Relâmpago era, de algum modo, o reflexo.

Todavia, os princípios que nortearam a acção desta revista desde o seu primeiro número, em 1997, não dizem respeito a um só tempo poético, já que, como é próprio das revistas desta natureza, nelas convivem vários tempos, gerações diversas. 

O facto é que a Relâmpago continua a ser necessária como órgão de divulgação e pensamento da poesia portuguesa (e não só). Numa época em que novas formas de indigência surgem em céus pouco amenos, e porque Gastão Cruz não dispensaria a Relâmpago de continuar a ser uma voz viva, eis porque este número novo da revista da Fundação Luís Miguel Nava regressa aos leitores. 

Depois de um longo e necessário intervalo, este número não podia, por fim, deixar de constituir nos ensaios, poemas e testemunhos aqui insertos, a homenagem justa ao seu principal animador, Gastão Cruz.
Com efeito, o autor de Existência (2017) é aqui lembrado como poeta maior dos últimos 60 anos em Portugal. Também ensaísta, crítico literário, encenador, tradutor, Gastão Cruz teve sempre a palavra poética como eixo de sentido daquilo que ele próprio disse ser a sua preocupação central: a vida da poesia. Esse é, no fundo, o tema deste número: a vida da poesia que um nome, o de Gastão, encarna. 

A Relâmpago, a poesia, o ensaio, a própria universidade, o teatro, muito devem à acção pedagógica e problematizadora do poeta de As Aves (1969). Amigos seus, poetas, ensaístas, actores, professores, aqui se reúnem para o lembrar. 

A Relâmpago mantém a sua estrutura de sempre: ensaios, testemunhos. Não há, por razões óbvias, a secção dedicada a recensões de livros de poesia vindos a lume recentemente. Mas, porque esta revista continuará entre nós e Luís Miguel Nava, agora com Gastão a seu lado, nos dizem para termos a fiel dedicação à honra de estarmos vivos, num próximo número não deixaremos de ler a vida da poesia que, com gerações de agora, merece a nossa melhor atenção. Isso – essa atenção e essa fidelidade à vida da poesia – exige-nos Gastão Cruz. 

Porque este número conta com paratextos (fotografias, capas de determinadas edições, hoje raras) que legendam, por assim dizer, a vida do autor de Campânula (1978) e porque Isabel Cruz, sua irmã, João Nuno Cruz e Mário Bruno Cruz, filhos de Fiama e de Gastão, foram inexcedíveis e generosos quanto ao fornecimento de informações biográficas, este número é também para eles.



CARLOS MENDES DE SOUSA

ANTÓNIO CARLOS CORTEZ

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